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Smartwatches

Podem mesmo revolucionar a saúde e a prática médica como se anuncia?
Entenda 5 maneiras em que os smartwatches já estão fazendo parte do dia a dia da prática médica em algumas instituições e como elas devem evoluir nos próximos anos.

O mercado de smartwatches só cresce. Segundo o site Statista, deve movimentar em 2023 a cifra de quase 45 bilhões de dólares, com previsão de aumento anual de cerca de 8% nos próximos anos. Dentre as principais marcas estão as conhecidas Apple, Fitbit (Google), Samsung, Garmin e Huawei. O número total de usuários destes dispositivos em 2022 foi de 192 milhões ao redor do mundo. 

Eles fazem parte do que é conhecido como tecnologia vestível (ou wearable, em inglês), que se refere a todo dispositivo que pode ser incorporado em vestimenta, como implante ou como acessório, neste caso no punho, mas podem ser anéis e até sutiãs inteligentes. Os smartwatches tem várias funcionalidades, como acesso a internet, possibilidade de fazer uma chamada, previsão do tempo, mensagens por texto ou vídeo, GPS, informações sobre atividade física e sobre a saúde em geral. Já na perspectiva de coleta de dados de saúde, cada vez mais avançam os dispositivos, que incluem acelerômetro para detectar a posição corporal, pedômetro para medir os passos percorridos, monitor de frequência cardíaca, medida da temperatura, oxímetro e até medidor de pressão arterial. 

O número de registros de uso médico nestes dispositivos também tem aumentado. Quando se desenvolve um software que realiza análises de dados coletados e oferece algum tipo de ação, mesmo que seja para fins de prevenção de uma condição de saúde, a empresa deve solicitar ao órgão regulatório do país em questão, como a Anvisa no Brasil, o registro de uma licença de software como dispositivo médico. 

O esforço das grandes empresas de tecnologia neste sentido é uma grande tendência pelo mercado potencial e pela corrida desenfreada em busca da posição de líder na melhor e mais acurada tecnologia para dados de saúde. Também tem sido motivo de brigas judiciais entre grandes empresas e startups, como visto nos últimos anos nos EUA onde a Apple se defende em vários processos relacionados à propriedade intelectual e “roubo”  de tecnologia. 

E o que podemos aprender desta tendência sob o ângulo da prática médica? 

Sabemos que estas funcionalidades são um argumento de compra importante. Segundo pesquisas do site Statista que mencionamos anteriormente, 92% das pessoas dizem utilizar os relógios para manejar e monitorar sua saúde. Afinal, empoderam o indivíduo a acompanhar sua saúde por todo o período que desejarem. Sem contar o aspecto moderno de vários deles, com um design atrativo que contrasta com os exames diagnósticos tradicionais, e o fato de estarem totalmente integrados à rotina da pessoa. 

Porém, para outros, existe o ponto contrário de se sentir vigiado. No tema de sono, é comum na nossa prática clínica ouvirmos pacientes se queixarem de que se sentem “vigiados” com o uso dos relógios a ponto de não conseguirem sequer dormir com eles. Existe também o incômodo local do relógio no pulso, e, neste ponto, algumas pessoas adeptas ao uso de tecnologia para monitorar sua saúde tem escolhido smart rings ou anéis inteligentes que são mais confortáveis. Os pacientes também relatam ficar ansiosos ao ver os resultados que apontam uma baixa qualidade de sono ou que estão dormindo poucas horas. Isso acontece porque, claro, o relógio muitas vezes mostra ao seu portador números absolutos da sua saúde, não levando em conta o contexto clínico da pessoa. Vários dos aplicativos destes relógios também permitem visualizar a evolução dos dados da saúde, em formato de curvas ou gráficos, mas ainda assim é necessário que o paciente tenha em mente que estas informações consistem em um complemento à visão de sua saúde, e não devem ser vistos de uma forma rigorosa. 

E, claro, existem limitações quanto ao tipo de dados que os relógios podem monitorar e também quanto à real eficácia do monitoramento das variáveis de saúde que alegam monitorar. Sobre esse tópico da qualidade dos dados monitorados, bem como as variáveis que podem ser medidas, abordaremos em próximos textos sobre este assunto, inclusive fazendo comparativos sobre os modelos. 

Para entender o potencial dos smartwatches no contexto clínico, trago neste artigo 5 aplicações atuais que estão sendo usadas por grandes instituições de saúde ao redor do mundo. Para cada uma delas, podemos esperar desdobramentos nos próximos anos com uma possível incorporação desta tecnologia em protocolos clínicos e como métricas de qualidade. 

Seguem abaixo 5 grandes contextos de uso de smartwatches, com alguns exemplos de uso para sermos mais concretos:

1- Complemento de uma consulta de telemedicina, onde pode ser usado o relógio do próprio paciente, ou ser enviado um relógio específico para ser usado durante a consulta. Dados simples podem ser integrados à plataforma do médico e auxiliam no monitoramento de um caso agudo, apontando para a necessidade de vinda a um serviço de urgência. Como ilustração, um estudo publicado durante a pandemia na revista Nature em 2020 apontou que 63% da amostra de 5.300 pessoas poderiam ter tido diagnóstico precoce de Covid-19 pelo acompanhamento da mudança da frequência cardíaca dada pelos relógios;  

2-  Monitoramento remoto após alta hospitalar precoce. Vários hospitais têm adotado iniciativas de desospitalização precoce e necessitam monitorar dados como temperatura, bem como avaliar a mobilidade dos pacientes. São programas chamados de “hospital at home”, em que dispositivos fáceis de uso como smartwatches são de grande valia; 

3- Uso para pacientes institucionalizados, alertando, por exemplo, casos de sonolência diurna intensa e riscos de quedas, situações bastante comuns. Também auxiliam a monitorar outras situações como aumento de temperatura e arritmias; 

4- Auxílio na medicina da longevidade, com o monitoramento ao longo de um tempo prolongado, sendo possível colher dados em tal grandeza que podem ser recomendadas práticas personalizadas e orientações em tempo real; 

5- De forma semelhante ao item 4, seguradoras e organizações prestadoras de serviços de saúde têm incorporado programas de prevenção e recompensas para usuários com hábitos de vida saudáveis monitorados pelos relógios. 

Para todas estas situações, existem, claro, questões legais de privacidade de dados que devem ser cumpridas.  

Um ponto interessante de reflexão para concluirmos nossa primeira conversa sobre smartwatches é sobre a parte humana deste processo, onde nós temos um grande papel. Como lidar com os pacientes adeptos ao uso deles, inclusive os mais extremos que os utilizam em todos momentos e tratam seus relatórios como verdadeiras informações médicas?

Antes de mais nada, devemos ver este cenário pela ótica de que, se o paciente está nos trazendo esta informação, é porque deseja a nossa opinião a respeito dela. 

E, para isso, precisamos criar um ambiente propício, sem julgamentos, para discutir estas novas fontes de informação, pois isso facilitará o vínculo durante a consulta e a compreensão do paciente para quando precisarmos complementar nosso diagnóstico com exames tradicionais. O simples fato de poder checar estas informações de saúde a qualquer momento e ao alcance de um botão no próprio relógio ou no seu aplicativo não significa que o paciente realmente entende sua repercussão nem que isso trará alguma mudança no seu comportamento.

Um segundo ponto consiste em que, conforme estas tecnologias evoluem, poderão existir variáveis clínicas que sejam passíveis de monitoramento e de diagnóstico por estes dispositivos. E será nosso papel examinar estes resultados, assim como fazemos atualmente com os exames mais tradicionais de laboratório e imagem, por exemplo.

Por final, para que este avanço tecnológico possa ser efetivamente útil para médicos e pacientes, é crucial que nós médicos estejamos dispostos a olhar estas novas fontes de informação do cotidiano do nosso paciente, que podem vir num formato menos convencional mas também saibamos fazer o julgamento necessário de descartar informações que possam ser incorretas, com um cuidado especial na forma como comunicamos esta mensagem. A comunicação clara e eficiente, afinal, é o único aspecto da saúde que não será substituído.  

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